“Se é da comunicação humana o ato de falar e ouvir e, se quando o fazemos de coração isso nos liga uns aos outros …” (M. Rosenberg) o Coaching é uma excepcional ferramenta para isso, pois está a serviço de relações mais harmoniosas e consequentemente da promoção da produtividade humana.
Inicialmente a frase acima não era uma afirmação e sim um emaranhado de dúvidas inquietantes que nos levou a pesquisar e estudar como o modelo de comunicação defendido pelo Dr. Marshall Rosenberg poderia se conectar à prática do Coaching, que, afinal, é um processo construído principalmente pela comunicação.
Parecia mesmo que a Comunicação Não Violenta poderia nos trazer algo de inovador e, quando iniciamos nosso estudo, percebemos que iluminá-lo com as competências de coaching preconizadas pela ICF – International Coaching Federation – poderia trazer um aporte valoroso para nossa atividade. Assim o fizemos e agora compartilhamos com você neste artigo.
Para seguir adiante, precisávamos ampliar e alinhar nossas compreensões sobre comunicação e o que apuramos de mais significativo para nos apoiar foi que a comunicação é uma competência exercitada desde o início da vida (pesquisas mostram que os fetos já reagem a sons por volta de 3 meses de gestação), e que no decorrer dela nos comunicamos com incontáveis pessoas e em diferentes linguagens, da oral à escrita, da corporal à musical. Sendo assim a comunicação é considerada tão comum e imprescindível quanto respirar ou beber água.
A comunicação simplesmente faz parte da vida e é habilidade indispensável aos seres humanos!!
Entendemos que a qualidade da comunicação pode definir o quanto cada pessoa é capaz de alcançar o seu “pódio de vida” (espaço pessoal que une a conquista de resultados e o prazer).
Como o coaching é realizado através do diálogo entre coach e coachee e este, por sua vez, demonstra suas mudanças, aprendizados, etc., na interação com pessoas do seu convívio, estabelecer uma comunicação eficaz durante o processo garantirá seu sucesso.
Como a forma de comunicar está intimamente ligada aos traços culturais de um povo, a visão de mundo que se tem e as distintas personalidades das pessoas, identificamos que sociedades que possuem hábitos violentos, inevitavelmente revelam processos de comunicação violentos, com expressões preconceituosas, ofensivas e julgadoras. E infelizmente são muitas as sociedades com esses traços, inclusive a brasileira, por isso nos fez tanto sentido os conceitos discutidos pela Comunicação Não Violenta.
Também apuramos que a maioria das bases educacionais e morais que conhecemos possui alto grau de violência em suas proposições, pois estabelece noções rígidas de certo e errado, além das ideias de mérito e punição. A educação formal, familiar e cultural nos arrastam para julgamentos como culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica e comparação, separando as pessoas em dois grupos, os que se destacam e os excluídos (ou os certos e os errados). Importante para nós foi aprender que a linguagem habitual do ser humano possui a mesma raiz, raiz essa que busca dominação e convencimento uns dos outros, ao invés de focar em estabelecer relações de liberdade, autonomia e responsabilização, como preconiza o coaching e a CNV.
A ”Comunicação Não-Violenta” (CNV) surge como uma forma de rever os critérios de interação entre as pessoas, através da atenção aos comportamentos e sentimentos envolvidos na comunicação. O modelo desenvolvido pelo Dr. Marshall Rosenberg, fruto de pesquisas contínuas – mais de 40 anos – foi baseado nas ideias de Gandhi e na psicologia humanística de Carl Rogers. Ele apoia o estabelecimento de relações de parceria e cooperação, em que predomina uma comunicação eficaz com empatia.
Inicialmente, o interesse do Dr. Rosenberg por uma nova forma de comunicação tinha como principal objetivo criar alternativas pacíficas de diálogo para amenizar o clima de violência com o qual conviveu no turbulento bairro de Detroit, onde cresceu. Ao longo de seus estudos, descobriu que esta forma de influência mútua tende a inspirar ações compassivas e solidárias, sendo cada vez mais utilizada por uma rede mundial de mediadores, facilitadores e agentes voluntários, com o objetivo de agir de forma prática e eficaz em favor da paz. Em 1984, criou o “Center for Non Violent Communication (CNVC)”, na Califórnia.
A CNV vem se consolidando como linguagem intercessora, possibilitando melhor compreensão das palavras, estimulando relações profissionais e pessoais mais harmônicas. Isso acontece através de quatro fases onde expressões verbais honestas são pressupostos básicos da comunicação. São elas:
- Observação: que deve acontecer de maneira descritiva sobre a situação, sem julgamentos ou avaliações, ou seja, se atendo exclusivamente ao fato. Exemplo: Comentário Julgador – “Você é generoso”. Comentário Descritivo – “Quando ajuda sua família financeiramente e oferece palavras de carinho para os outros eu acho você generoso”.
- Sentimento: identificar como se sente em relação ao que está observando. Em geral, os sentimentos resultam de como escolhemos receber as ações e falas dos outros podendo aparecer de quatro formas:
- Culpar a nós mesmos
- Culpar os outros
- Escutar nossos próprios sentimentos e necessidades
- Escutar os sentimentos e necessidades dos outros
O mais importante de tudo em situações de conflito é assumirmos 100% da nossa responsabilidade por nossos sentimentos, mas em geral não somos educados assim.
- Necessidades: quais valores e desejos são gerados a partir dos meus sentimentos, ou seja, ao invés de pensar no que está errado na situação ou no seu interlocutor, podemos pensar sobre quais necessidades queremos ver atendidas.
- Pedidos: que devem ser claros e específicos, feitos de maneira positiva e assertiva.
Observamos em nossa prática que, garantindo os passos acima descritos, é possível mudar a qualidade da comunicação, pois passamos a ouvir atentamente, expressar sentimentos sem apontar erros, relatar os fatos e deixar claro o que precisamos.
Todas nós, em função desses estudos, percebemos transformações em nossas relações cotidianas.
Como podem imaginar, a conexão que fizemos entre Comunicação Não Violenta e Coaching foi muito forte, afinal a comunicação é uma habilidade fundamental a ser dominada pelos coaches, pois ao se comunicar interagem com o coachee (seu cliente) firmando as bases e estabelecendo a qualidade da relação. A comunicação garante a eficiência do processo e seu objetivo é facilitar que o cliente amplie a consciência sobre si mesmo, compreendendo como pensa, sente e age para que, de forma clara e objetiva, faça boas escolhas rumo a ‘um seu’ caminho desejado.
Notamos que para isso é necessário que ambos, coach e coachee estejam inteiros na relação, pois quando as pessoas se comunicam elas buscam satisfazer necessidades, e o espaço relacional que se forma deve ser significativo para ambos interlocutores. Quem fala expressa uma demanda, quem ouve precisa ter claro o tipo de necessidade requerida. Nesse sentido a prática da Comunicação Não Violenta em processos de coaching nos ajuda a ganhar mestria no uso das competências ICF, pois ao nos expressarmos através dos seus quatro elementos, Observação, Sentimento, Necessidade e Pedido, nos tornamos mais capazes de receber com empatia e generosidade as demandas que chegam a nós.
A CNV nos convida a olhar para dentro (de si mesmo) e para o outro, com um olhar aprimorado, com olhos de compaixão. O Dr. Rosenberg, afirma que todo ser humano tem dentro de si a compaixão, por outro lado, diz que ao longo da vida nos distanciamos desse sentimento. No coaching, por exemplo, usamos a compaixão quando parafraseamos o que nosso cliente nos diz, buscando confirmação sobre nosso entendimento da questão trazida por ele ou quando não avaliamos o que é dito usando nosso próprio mapa mental (compreensão intelectual), ao invés disso questionamos nosso cliente sobre o significado do que ele está dizendo, sentindo, percebendo.
A Comunicação Não Violenta nos estimula a ouvir com muito mais atenção e presença, criando um ambiente seguro, de apoio que produza respeito e confiança mútuos. Ouvir com empatia exige que a mente esteja vazia, sem sugestões para dar, ou seja, o coach deve sempre ouvir com todo o seu ser, ouvir o que vai além das palavras (comunicação não verbal), ouvir completamente conectado ao outro, ouvir exatamente o que está sendo dito e não seus próprios pensamentos e julgamentos sobre o que está sendo dito, ouvir as emoções que estão presentes. Para isso, ele deve ser capaz de estabelecer confiança e intimidade com seu cliente, de conectar-se com presença integral, escutar ativamente, fazer perguntas que revelem informações necessárias em benefício do cliente, de comunicar-se com clareza e objetividade e de criar consciência através da integração de tudo que é dito e sentido pelo coachee, devolvendo para ele sob a forma de feedback.
Essas são competências ICF fundamentais, as quais podem ser aprimoradas com a prática da Comunicação Não Violenta.
Muitos devem estar se perguntando como tudo isso acontece na prática. Encontramos duas vias de aplicação, uma é pela possibilidade de fortalecer o uso das competências ICF e a outra pela oportunidade de oferecer ao cliente um método alternativo de comunicação que gera resultados sustentáveis.
Um exemplo real do que estamos dizendo…
A situação que apresentaremos abaixo é um recorte de uma sessão que aconteceu com uma das coaches do nosso grupo de estudos e demandou muito das competências de coaching , pois a cliente estava emocionalmente bastante comprometida para olhar para o fato em si e para ela mesma. A coach estava tão conectada com sua cliente que foi capaz de dedicar tempo suficiente para “limpar” sentimentos e julgamentos que estavam impedindo a coachee de seguir adiante, e para isso utilizou os passos da CNV. Sua escuta se manteve apurada, sem nenhum tipo de julgamento, além de ter que usar de comunicação direta para apoiar a cliente no que ela havia se proposto.
Sobre a coachee vale uma informação para que você compreenda o desfecho da sessão; ela afirma que um dos seus cinco valores mais importantes na vida é o reconhecimento.
A coachee diz “… o que quero trabalhar hoje é a relação com o meu chefe, pois ele não me valoriza. Tenho me esforçado tanto e nunca sou reconhecida. … Sou nova nessa função, ainda estou aprendendo, será que ele não é capaz de entender isso? … Ontem eu fiz um relatório e errei apenas dois dados, mas meu chefe falou sobre os erros com raiva, ele muito bravo e rude. Será que ele não poderia falar comigo de um jeito mais suave, mais compreensivo? Estou me sentindo chateada porque ele não valoriza em nada o que eu faço, só olha para os meus erros …”
Depois da coach explorar a questão usando a Comunicação Não Violenta, o resultado foi:
Coachee: “… entendi o que está acontecendo, ontem eu fiz um relatório e inclui duas informações erradas. Quando meu chefe percebeu os erros chamou minha atenção porque essas informações são muito importantes para algumas tomadas de decisão e aquele erro poderia acarretar prejuízos para todo o departamento e empresa (fato descrito e limpo de interferências). Eu fiquei chateada (sentimento) porque para mim também é importante ser reconhecida pelo que eu faço de bom e correto (identificação da sua necessidade), por isso vou falar com ele em outros termos, sei que errei e compreendi que isso poderia prejudicar a performance de toda a equipe. Vou falar com ele e dizer que seria muito legal se, daqui para frente, nós pudéssemos conversar sobre meus erros de tal forma que eu entenda o que e porque estou errando e possa aprender com isso, passando a errar menos, o que me levará a contribuir com o sucesso de todos (pedido)”.
Esse exemplo nos mostra os benefícios e a objetividade conseguida com o uso da CNV no coaching.
Cada uma de nós obteve ganhos significativos com os estudos feitos e deixaremos aqui nossos depoimento:
“ganhei a capacidade de observar os fatos, expressar sentimentos, atender minhas necessidades e a dos outros fazendo pedidos honestos, o que fortaleceu minha conexão com as pessoas e uma compreensão mais racional da situação”.
“tive um visível aprimoramento de algumas competências ICF, em especial na comunicação direta e perguntas poderosas, que me permitiram aprofundar a questão do cliente sem julgamentos, críticas ou rótulos, além de passar a ouvir de forma muito mais ativa”.
“no processo de coaching a CNV vem me ajudando a prestar mais atenção na forma como crio empatia, observando integralmente a fala dos clientes, suas necessidades, os sentimentos associados e o que eles estão realmente me pedindo, pois posso ouvir meu cliente com maior profundidade”.
“ficou mais claro o impacto que a comunicação traz para as relações e os benefícios de ter um comunicador capaz de ir além e estabelecer conexões e diálogos poderosos”.
“a CNV tornou-se uma ferramenta eficaz para eu trabalhar com o coachee quando ele chega com uma carga emocional tão alta que pode impedi-lo de lidar com a questão”.
“ao estabelecer uma nova forma de comunicação com meus clientes, me senti mais capaz de dar o suporte requerido e eles passaram a se sentir mais acolhidos, se comprometendo e se responsabilizando integralmente pelo processo”.
Concluindo, ousamos dizer que treinar para nos comunicar de forma não violenta em nosso cotidiano é uma das formas de nos ajudar a desenvolver algumas das mais importantes competências essenciais a atividade de coaching, afinal a mestria em nossa atividade decorre de uma comunicação realmente eficaz.
Este artigo é fruto dos estudos realizados pelo Grupo de Estudos da ICF-SP nos anos 2014/2015.
Com autoria das coaches:
Cristina Kokiel, Élida Fagundes, Kátia Gaspar, Valéria Recco Luiz e Wania Troyano
Organizado pela coach:
Carlla D’ Zanna